Não há dúvidas de que o ano de 1968 foi um ponto crucial na história da Puma. Foi naquela época que o Brasil conheceu a segunda geração do GT, modelo ao qual se deve praticamente todo o sucesso da marca. Forjado das melhores e mais atuais tendências automotivas italianas, o novo carro inegavelmente merecia o título de uma das mais belas obras-primas da indústria nacional. Foi apresentado à imprensa abril daquele ano e lançado no mês seguinte; começava ali a trajetória do mais bem-sucedido esportivo fora-de-série brasileiro.
Parte do cotidiano de um dos primeiros meses da produção do Puma GT foi registrado pelas lentes do renomado jornalista e historiador automotivo Karl Ludvigsen — na época, um dos correspondentes no exterior da revista Quatro Rodas —, em uma de suas primeiras visitas ao Brasil. Aparentemente, sua missão principal era cobrir o VI Salão do Automóvel, mas ele também incluiu em seu roteiro visitas em algumas fábricas brasileiras, incluindo a da Puma.
Entusiasmado com o mais novo bólido nacional, Ludvigsen selecionou algumas das fotos e redigiu um artigo para o volume 7 da prestigiada Automobile Quaterly. Por conta do alcance internacional desse periódico, a Puma ganhou visibilidade em diversos países; não é à toa que o GT chegou a ser exportado para mais de 50 países.
Confira a seguir este raro registro:
A fachada do modesto galpão de onde saíam os Pumas, localizado na Avenida Presidente Wilson, 4385, bairro do Ipiranga, na capital paulista. Este e muitos outros edifícios vizinhos foram demolidos no final da década de 2000 em função da construção da Estação Tamanduateí, que possui acesso às linhas verde do metrô e turquesa da CPTM.
Vista geral da seção de acabamento da linha de montagem.
Jorge Lettry (1930-2008), que na época era diretor técnico da Puma, aonde permaneceu até 1973, com Leszek Biłyk (1919-2006), diretor de redação da Quatro Rodas entre 1965 e 1967.
A fibra de vidro novinha em folha saindo da caixa como se fosse ingrediente para uma torta. Aqui se iniciava a produção artesanal do Puma.
Funcionários laminando o molde da carroceria com a resina da fibra. Como não havia pistolas, o trabalho era feito com o uso de pincéis e, portanto, exigia mais tempo e mão-de-obra.
Ao que parece, na época não era obrigatório o uso de roupa, máscara, óculos e luvas especiais. Por ser um material tóxico e cancerígeno, a fibra de vidro pode acarretar em diversos problemas de saúde a médio ou longo prazo, quando manuseada sem EPI adequado.
Após a laminação, as carrocerias eram expostas ao sol para que a fibra secasse e endurecesse. Nota-se que algumas delas eram até marcadas com a data de confecção.
Aqui se inciava o processo de acabamento.
Seção de pintura: assim como a laminagem, nenhuma obrigatoriedade de EPI, no entanto, o processo já era feito com o uso de uma pistola.
Chassis e componentes mecânicos adquiridos diretamente da Volkswagen. Até então, a Gurgel era o único fabricante no mundo inteiro que contava com esse tipo de fornecimento da VW.
À princípio, o então recém nomeado presidente da VW do Brasil, Rudolf Leiding (1914-2003), ameaçou vetar o fornecimento para a Puma por um motivo óbvio: evitar concorrência direta com o Karmann-Ghia. Apesar disso, Leiding foi literalmente forçado a mudar de ideia.
Luiz Roberto Alves da Costa, advogado e diretor comercial da Puma, recorreu à amizade que possuía com Luís Antônio da Gama e Silva, ninguém menos que o ministro da Justiça do governo do presidente Costa e Silva e redator responsável pelo AI-5, o ato que institucionalizou o regime militar no Brasil. Ao atender o pedido, o ministro agendou uma audiência em Brasília para tratar pessoalmente com Leiding.
Durante a audiência, o ministro argumentou que a VW já era fornecedora da Puma por ter repassado as sobras da já desativada produção dos modelos DKW, além de ameaçar indiciar a multinacional por abuso de poder econômico ao se recusar a fornecer peças para um fabricante nacional de pequeno porte com um contingente significativo de funcionários.
Irritado, Leiding deu aval positivo ao desenvolvimento do Karmann-Ghia e do SP2. Se por um lado os esportivos da VW fracassaram nas vendas, por outro, a Puma, em sua modesta condição, estava muito longe de competir igualmente com um gigante que praticamente monopolizava a indústria automobilística brasileira.
O chassi do Karmann-Ghia era encurtado em 250 mm, reduzindo a distância entre-eixos para 2150 mm. O motor 1500, por sua vez, tinha potência líquida elevada de 44 para 60 cavalos por conta do uso de um carburador duplo Solex 32 PDIS, um distribuidor de avanço apenas centrífugo Bosch VJ4BR25 e um sistema de escapamento desenvolvido pela própria fábrica.
À esta altura, os carros já estavam quase prontos. Faltava apenas acrescentar vidros, emblemas, máscaras do faróis, acabamento interno e alguns outros itens.
Um exemplar do novíssimo Puma GT 1500 recém-saído de fábrica e pronto para cair na estrada!
Confira também a matéria original de Ludvigsen para a edição do primeiro trimestre de 1969 da Automobile Quarterly, que abordava não só sobre o carro em si, mas também sobre um pouco do legado da marca. Segundo o próprio, o novo Puma GT era uma espécie de reinterpretação modernizada do Porsche 356B 1600 de 1961, por conta de várias similaridades técnicas, tanto nas dimensões quanto no desempenho.